Cresci escutando por aí que não há lealdade, nem amizade verdadeira entre as mulheres, que somos todas competitivas e invejosas por natureza. Essa nunca foi uma mensagem vinda de casa, onde mora a minha primeira referência de educação, valores e princípios. Ainda assim, graças à força dada por toda uma cultura, comprei a tal ideia por um bom tempo. Pra ser exata, desde “sei lá quando” até o momento em que eu me tornei mãe.
Olhando pra atrás, para quando me vi grávida pela primeira vez, lembro-me de ouvir de muitas mães sobre os inúmeros palpites que eu certamente iria receber quando a minha filha nascesse, e de como isso seria chato, algo pra lá de insuportável! Aí Cleo nasceu, conheci o puerpério (que, até então, eu nem sabia da existência) e saquei que, pra mim, o problema não estava simplesmente nos palpites. Aliás, recebi vários dos bons, válidos de verdade, que me foram bastante úteis. Obviamente, outros tantos não me faziam sentido algum e, como tal, não eram acatados e ponto final (ainda os recebo, e tá tudo certo).
Na realidade, naquela época, o meu incômodo estava na completa falta de delicadeza e na invasão por detrás de grande parte das palavras ditas em tom de contribuição. Percebi rapidinho que os olhos de muitos dos palpiteiros que estavam ao meu redor não passavam nem de longe por mim. Eram pessoas que me viam, mas simplesmente não me enxergavam. Pela primeira vez na vida, encarei situações de desconsideração total.
Essa sensação de invisibilidade me tomou em diversas circunstâncias. Foi ali, durante o puerpério, que conheci a crueldade das cobranças, dos julgamentos e da exclusão social e laboral que nossa sociedade como um todo impõe às mães, quando falamos em maternidade real. Pouco a pouco, conheci também a lamentável intolerância em relação às crianças, e experimentei os impactos disso também em mim.
Muito atenta a esse movimento em meu entorno, notei desde o princípio de onde também partiam os olhares de compreensão e respeito, os gestos de cuidado e de apoio genuínos, as conversas gentis e positivas. Não coincidentemente, vinham sempre de pessoas que, diante de mim, se colocavam no meu lugar. Creio que agiam assim porque já haviam vivenciado (ou estavam a vivenciar) a mesma experiência ou apenas porque, gentilmente, se dedicavam a imaginar a complexidade de tudo aquilo que inevitavelmente me envolvia. Logo reconheci a empatia como fonte poderosa de amparo e força.
Certa vez, tive a confirmação absoluta disso. Depois de um longo “episódio caos” com meus filhos (que, naquela fase, ainda eram dois bebês), minha mãe, em meio a risos de nervoso e alívio, me olhou nos olhos e disse: “só quem vive isso sabe como é.”. Naquele instante, senti exatamente o que precisava sentir para me acalmar, me recompor e seguir. Eu me senti profundamente acolhida.
E foi pela constante necessidade de acolhimento que, pouco a pouco, intuitivamente, fui me juntando a outras mães e estabelecendo relações de apoio mútuo. Nessa hora, vi um universo potente se escancarar à minha frente. Encantada, pude testemunhar mulheres unidas pelo propósito de se fortalecerem na comunhão de suas experiências, dispostas a serem escuta, colo e contribuição real. Aquela crença descabida que havia comprado sobre a convivência entre as mulheres se ruiu por inteiro.
Agora revendo a minha trajetória até aqui, diante de tantas desconstruções que a maternidade já me possibilitou realizar, sinto-me imensamente grata às mulheres ao meu redor pela oportunidade de ampliar o meu olhar e conhecer a verdadeira essência do feminino.
Hoje escrevo a convite de uma velha amiga, que ressurgiu na minha vida após também se tornar mãe. Lindo ver que nossos caminhos naturalmente se dissiparam e, anos depois, se reconectam em razão de ora sermos parte de uma mesma corrente de sororidade.
Sororidade... Palavra que ainda sequer existe em nossos dicionários, mas vem sendo difundida pelo movimento feminista. Com origem na palavra “soror” (irmã em latin), tem como conceito a irmandade entre mulheres, que, por meio da empatia, se solidarizam, se respeitam e se elevam.
BIOGRAFIA DA AUTORA
Amaralina Queiroz é também Maína, a mãe da Cleo, de 4 anos, e do João, de 2. Advogada por formação, ela se viu transformar com a maternidade.
Ao se descobrir grávida do caçula, pediu demissão do emprego, que já não lhe fazia sentido, e se entregou ao forte desejo de estar integralmente junto aos filhos. Encarou os desafios de sua decisão e segue priorizando a escolha que fez.
Adepta da criação com apego e estudiosa da parentalidade positiva, Maína baseia o seu maternar no afeto, e tem o respeito e a dignidade como princípios basilares da relação com suas crianças.
Suas vivências a levaram à doulagem, ao ativismo pelo parto humanizado e à condução de terapias alternativas de cuidado e cura. É hoje também professora de culinária para crianças.
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